Conflito no Sri Lanka transforma 150 mil civis em escudos humanos
Georgina Higueras
Mais de 150 mil civis resistem, como escudos humanos, à guerra de extermínio do Exército do Sri Lanka contra os sanguinários Tigres da Libertação da Pátria Tâmil
Sem testemunhas, porque os jornalistas estão vetados, e sem água, nem comida, nem medicamentos, 150 mil civis suportam, aterrorizados, a última ofensiva do Exército do Sri Lanka sobre os Tigres da Libertação da Pátria Tâmil (LTTE). São escudos humanos da guerrilha mais feroz de que se tem conhecimento. Mulheres e crianças são expostas a tiros nas costas se fogem, e a tiros no peito por aqueles que os cercam.
São reféns de duas forças nefastas que não entendem de direitos humanos: 50 mil soldados, que avançam, implacáveis, praticando a política de terra queimada, e cerca de mil tigres, os combatentes ainda vivos do grupo terrorista mais disciplinado e sanguinário da história. Estão cercados em Vanni, uma estreita faixa de litoral com apenas 12 quilômetros de extensão, sem sequer um corredor humanitário, nem uma via de escape negociada.
Georgina Higueras
Mais de 150 mil civis resistem, como escudos humanos, à guerra de extermínio do Exército do Sri Lanka contra os sanguinários Tigres da Libertação da Pátria Tâmil
Sem testemunhas, porque os jornalistas estão vetados, e sem água, nem comida, nem medicamentos, 150 mil civis suportam, aterrorizados, a última ofensiva do Exército do Sri Lanka sobre os Tigres da Libertação da Pátria Tâmil (LTTE). São escudos humanos da guerrilha mais feroz de que se tem conhecimento. Mulheres e crianças são expostas a tiros nas costas se fogem, e a tiros no peito por aqueles que os cercam.
São reféns de duas forças nefastas que não entendem de direitos humanos: 50 mil soldados, que avançam, implacáveis, praticando a política de terra queimada, e cerca de mil tigres, os combatentes ainda vivos do grupo terrorista mais disciplinado e sanguinário da história. Estão cercados em Vanni, uma estreita faixa de litoral com apenas 12 quilômetros de extensão, sem sequer um corredor humanitário, nem uma via de escape negociada.
"O Sri Lanka não é uma ameaça à paz internacional, mas estão cometendo crimes contra a humanidade que a comunidade internacional deve investigar", afirma o espanhol Borja Miguélez, responsável em Colombo pelo Departamento de Ajuda Humanitária da Comissão Europeia (ECHO).
Segundo agências da ONU, desde o final de janeiro, quando começou essa última fase da ofensiva, morreram mais de 2.300 civis e 6.500 foram feridos. Entre os mortos estão mais de 500 crianças.
Bombardeadas pelo Exército e perseguidas pelos tigres, as famílias, com os menores nas costas, seguiram as legiões de combatentes até chegarem a Vanni, faixa declarada oficialmente "zona neutra". No entanto, sofrem diariamente ataques indiscriminados sob a justificativa de que os tigres se escondem entre os civis. Até agora, somente 36 mil conseguiram escapar do inferno e já se encontram em acampamentos procurados pelas ONG internacionais. Informações não confirmadas garantem que outros 20 mil tâmeis cruzaram as linhas e estão sendo interrogados pelo Exército e paramilitares para comprovar que são civis. Nesse processo, muitos são violentados e assassinados. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) leva semanas pedindo ao governo que lhe autorize assistir à identificação para garantir a segurança dos que se atrevem a escapar.
Aqueles que permanecem sob a tutela dos tigres, inclusive as crianças, passam o dia cavando trincheiras ou escondidos nelas, porque os bombardeios do Exército podem durar horas. Às vezes, sequer podem sair e preparar algo para comer com o pouco que lhes resta. Apesar das petições das organizações humanitárias internacionais, somente nessas seis semanas foi permitida a entrega, em 8 de março, de um carregamento com 500 toneladas de alimentos.
A prestigiosa ONG International Crisis Group (ICG), em seu comunicado da última segunda-feira (dia 16), fez um apelo à comunidade internacional para que pressione o governo do Sri Lanka de maneira que "abandone sua política de aniquilação, impeça o ataque final, e permita a chegada de auxílio humanitário para a população e a saída dos civis que a quiserem".
Da mesma forma, a ICG pede àqueles que têm influência sobre o comando LTTE que o convençam a deixar de "utilizar os civis como escudos humanos e que negocie sua rendição".
A essa altura, ninguém duvida que o Exército lhes infligiu uma vistosa derrota. Dos 15 mil quilômetros quadrados que os tigres controlavam em agosto de 2006, quando se reiniciou a guerra, agora são ocupados apenas 50 quilômetros quadrados. Estão sitiados por cinco divisões completas e outras quatro mantêm a retaguarda. O general Shavendra Silva declarou recentemente à Reuters que creem que o líder dos LTTE, Vellupillai Prabhakaran, se encontra com um bom punhado de comandantes dentro do cerco.
Na vitória, foi decisiva a colaboração de Karuna, ex-comandante da guerrilha, que em 2004 dela se desligou e formou a sua própria - um dos grupos paramilitares nos quais o Exército agora se apoia - , que se fez com o controle do leste da ilha e reduziu o domínio dos tigres ao norte.
Karuna, que segundo a Anistia Internacional "foi acusado de ter cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade", ocupa desde outubro passado uma cadeira no Parlamento do Sri Lanka e foi nomeado ministro da Reconciliação.
Analistas e outros intelectuais sustentam que ganhar a paz é mais importante do que ganhar a guerra; e que o esforço de exterminar os tigres às custas da vida de dezenas de milhares de civis só servirá para que o ódio sufoque a convivência. Os últimos atentados terroristas, que causaram dezenas de mortos, revelam que os LTTE, o grupo que mais cometeu atentados suicidas, continuam dispondo de células infiltradas por todo o território capazes de continuar lutando.
"Os LTTE e o Exército são um reflexo da brutalidade e da selvageria do conflito", observa um observador cingalês independente que, como muitos outros colegas e jornalistas, se encontra ameaçado de morte.
Muitos se viram obrigados a deixar o país para salvarem suas vidas.
Desde o rompimento definitivo do cessar-fogo em junho de 2006, cerca de 200 mil pessoas, a absoluta maioria de tâmeis, se estabeleceram no Ocidente.
Conhecido como a "Pérola do Índico", o antigo paraíso do Ceilão - de 65.610 quilômetros quadrados de extensão e 21 milhões de habitantes - é disputado e manchado de sangue pela fúria da natureza e dos homens.
O tsunami tirou a vida de 30 mil pessoas; os 25 anos de guerra ceifaram o dobro.
Borja Miguélez, de 32 anos, chegou ao Sri Lanka em 2002 para um projeto de desenvolvimento, incentivado pela União Europeia. Acabava de se firmar o cessar-fogo entre o governo e os tigres. A paz parecia abrir caminho entre as duas comunidades hostis: cingalesas (75% da população) e tâmeis (10%), que se confrontavam desde 1983, quando estourou o conflito separatista tâmil no nordeste da ilha. O tsunami que destruiu o litoral do país no final de 2004 levou Miguélez a trocar sua missão pela ajuda humanitária a uma população inocente que todos se empenham em castigar.
Muitas das ONG presentes no Sri Lanka, cujos voluntários nacionais são sequestrados e assassinados pelo Exército, os paramilitares ou os LTTE - quase uma centena desde 2006 - , queixam-se da falta de ação internacional. A Rússia e a China consideram essa guerra suja um "assunto interno". Para a administração Bush, era parte da "guerra contra o terror", porque esmagava um grupo terrorista. E os demais governos, como grandes meios de comunicação social, desviam o olhar.
Segundo agências da ONU, desde o final de janeiro, quando começou essa última fase da ofensiva, morreram mais de 2.300 civis e 6.500 foram feridos. Entre os mortos estão mais de 500 crianças.
Bombardeadas pelo Exército e perseguidas pelos tigres, as famílias, com os menores nas costas, seguiram as legiões de combatentes até chegarem a Vanni, faixa declarada oficialmente "zona neutra". No entanto, sofrem diariamente ataques indiscriminados sob a justificativa de que os tigres se escondem entre os civis. Até agora, somente 36 mil conseguiram escapar do inferno e já se encontram em acampamentos procurados pelas ONG internacionais. Informações não confirmadas garantem que outros 20 mil tâmeis cruzaram as linhas e estão sendo interrogados pelo Exército e paramilitares para comprovar que são civis. Nesse processo, muitos são violentados e assassinados. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) leva semanas pedindo ao governo que lhe autorize assistir à identificação para garantir a segurança dos que se atrevem a escapar.
Aqueles que permanecem sob a tutela dos tigres, inclusive as crianças, passam o dia cavando trincheiras ou escondidos nelas, porque os bombardeios do Exército podem durar horas. Às vezes, sequer podem sair e preparar algo para comer com o pouco que lhes resta. Apesar das petições das organizações humanitárias internacionais, somente nessas seis semanas foi permitida a entrega, em 8 de março, de um carregamento com 500 toneladas de alimentos.
A prestigiosa ONG International Crisis Group (ICG), em seu comunicado da última segunda-feira (dia 16), fez um apelo à comunidade internacional para que pressione o governo do Sri Lanka de maneira que "abandone sua política de aniquilação, impeça o ataque final, e permita a chegada de auxílio humanitário para a população e a saída dos civis que a quiserem".
Da mesma forma, a ICG pede àqueles que têm influência sobre o comando LTTE que o convençam a deixar de "utilizar os civis como escudos humanos e que negocie sua rendição".
A essa altura, ninguém duvida que o Exército lhes infligiu uma vistosa derrota. Dos 15 mil quilômetros quadrados que os tigres controlavam em agosto de 2006, quando se reiniciou a guerra, agora são ocupados apenas 50 quilômetros quadrados. Estão sitiados por cinco divisões completas e outras quatro mantêm a retaguarda. O general Shavendra Silva declarou recentemente à Reuters que creem que o líder dos LTTE, Vellupillai Prabhakaran, se encontra com um bom punhado de comandantes dentro do cerco.
Na vitória, foi decisiva a colaboração de Karuna, ex-comandante da guerrilha, que em 2004 dela se desligou e formou a sua própria - um dos grupos paramilitares nos quais o Exército agora se apoia - , que se fez com o controle do leste da ilha e reduziu o domínio dos tigres ao norte.
Karuna, que segundo a Anistia Internacional "foi acusado de ter cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade", ocupa desde outubro passado uma cadeira no Parlamento do Sri Lanka e foi nomeado ministro da Reconciliação.
Analistas e outros intelectuais sustentam que ganhar a paz é mais importante do que ganhar a guerra; e que o esforço de exterminar os tigres às custas da vida de dezenas de milhares de civis só servirá para que o ódio sufoque a convivência. Os últimos atentados terroristas, que causaram dezenas de mortos, revelam que os LTTE, o grupo que mais cometeu atentados suicidas, continuam dispondo de células infiltradas por todo o território capazes de continuar lutando.
"Os LTTE e o Exército são um reflexo da brutalidade e da selvageria do conflito", observa um observador cingalês independente que, como muitos outros colegas e jornalistas, se encontra ameaçado de morte.
Muitos se viram obrigados a deixar o país para salvarem suas vidas.
Desde o rompimento definitivo do cessar-fogo em junho de 2006, cerca de 200 mil pessoas, a absoluta maioria de tâmeis, se estabeleceram no Ocidente.
Conhecido como a "Pérola do Índico", o antigo paraíso do Ceilão - de 65.610 quilômetros quadrados de extensão e 21 milhões de habitantes - é disputado e manchado de sangue pela fúria da natureza e dos homens.
O tsunami tirou a vida de 30 mil pessoas; os 25 anos de guerra ceifaram o dobro.
Borja Miguélez, de 32 anos, chegou ao Sri Lanka em 2002 para um projeto de desenvolvimento, incentivado pela União Europeia. Acabava de se firmar o cessar-fogo entre o governo e os tigres. A paz parecia abrir caminho entre as duas comunidades hostis: cingalesas (75% da população) e tâmeis (10%), que se confrontavam desde 1983, quando estourou o conflito separatista tâmil no nordeste da ilha. O tsunami que destruiu o litoral do país no final de 2004 levou Miguélez a trocar sua missão pela ajuda humanitária a uma população inocente que todos se empenham em castigar.
Muitas das ONG presentes no Sri Lanka, cujos voluntários nacionais são sequestrados e assassinados pelo Exército, os paramilitares ou os LTTE - quase uma centena desde 2006 - , queixam-se da falta de ação internacional. A Rússia e a China consideram essa guerra suja um "assunto interno". Para a administração Bush, era parte da "guerra contra o terror", porque esmagava um grupo terrorista. E os demais governos, como grandes meios de comunicação social, desviam o olhar.
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