As tensões crescentes entre Estados Unidos e Irã, em torno do programa nuclear iraniano, têm ocupado um espaço considerável na mídia. O foco dos noticiários, invariavelmente, recai sobre as tentativas diplomáticas, e ameaças de uso da força, por parte do governo norte-americano, contra a insistência do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em não acatar as decisões do Conselho de Segurança da ONU que exigem o fim do programa de enriquecimento de urânio do país. De um lado, Ahmadinejad insiste que seu programa nuclear visa fins exclusivamente pacíficos; de outro, George W. Bush acusa o Irã de tentar construir ogivas nucleares, capazes de colocar em risco a segurança não só dos norte-americanos, mas, principalmente, de seu principal aliado no Oriente Médio, Israel. Dada a atual situação de extrema tensão que se configura nas relações entre Washington e Teerã, é válido questionar quais são as dinâmicas internas, nos Estados Unidos, que estão levando o país a considerar um ataque maciço contra o Irã.
A percepção norte-americana de que o Irã representa um inimigo a ser combatido remonta ao ano de 1979, quando a Revolução Iraniana derrubou do poder o Xá Reza Pahlevi, o maior aliado estadunidense no Oriente Médio, e colocou em seu lugar o Aiatolá Khomeini, um líder espiritual e político altamente comprometido com a libertação de seu país da dominação ocidental, que ele entendia estar representada na figura do “Grande Satã” americano. Desde então, as relações entre americanos e iranianos sempre foram tensas, mas a situação de conflito iminente que ora se apresenta, repousa sobre três fatores essenciais a serem aqui considerados.
Em primeiro lugar, aqueles que hoje controlam o poder na Casa Branca entendem que existe um grupo de países que visa a desestabilização do sistema internacional, o chamado “eixo do mal”, no qual o Irã está incluído, juntamente com a Coréia do Norte e o Iraque. O regime de Saddam Hussein foi destruído e os norte-coreanos já acenam com a possibilidade de um acordo. Dentro dessa perspectiva, só resta submeter o Irã, que é percebido como uma fonte de desestabilização sistêmica porque interfere nas dinâmicas do jogo político no Oriente Médio via apoio financeiro ao Hezbollah no Líbano e a grupos radicais na Palestina, alterando a correlação de forças na região contra Israel.
Em segundo lugar, Washington é seletivo em relação àqueles países que recebem seu veto para o desenvolvimento de programas nucleares: a Índia e o Paquistão, por exemplo, possuem ogivas nucleares e nem por isso enfrentam qualquer tipo de problemas ou sanções por parte dos Estados Unidos ou da ONU. Mas a Índia não é um país muçulmano e, embora o Paquistão o seja, esse está localizado no sul da Ásia, não no Oriente Médio, onde só a Israel é permitido o poder nuclear. Além disso, o Paquistão é o que se pode chamar de um “lacaio político” estadunidense, ao passo que o Irã é, hoje, o grande “desafiante” da supremacia militar israelense na região e um país altamente comprometido com a defesa e a expansão dos valores muçulmanos.
Por fim, o lobby israelense em Washington como um fator essencial para o entendimento da escalada das tensões entre americanos e iranianos deve ser analisado. Por décadas, o debate sobre o poder que a comunidade sionista exercia sobre as ações de política externa americana para o Oriente Médio ficou adormecido, exatamente porque jornalistas, intelectuais e acadêmicos temiam que esse tipo de reflexão os colocasse na mira de grupos que percebem qualquer crítica a Israel como um ato anti-semita. John Mearsheimer e Stephen Walt romperam o silêncio em 2006, com a publicação de um artigo que esmiuçava o papel que grupos lobistas israelenses desempenhavam nas decisões políticas americanas para o Oriente Médio. A partir daí, desconsiderar o peso desses grupos para a dinâmica das relações entre Estados Unidos, Israel e Irã é uma falha que nenhum analista deve cometer. Dentro dessa perspectiva, o Irã deve ser atacado e, se possível, destruído, não porque representa uma ameaça aos norte-americanos, mas porque ameaça a supremacia israelense no Oriente Médio. Embora Israel possua uma capacidade militar descomunal, se comparada ao Irã, ou a qualquer outro país da região, a possibilidade do regime iraniano desenvolver artefatos nucleares capazes de atingir Tel-Aviv irá alterar dramaticamente a posição israelense na região, pois um Irã nuclear, aliado da Síria, do Hezbollah e de grupos radicais palestinos obrigará Israel a fazer aquilo a que o país vem se negando desde a sua criação: fazer concessões em nome da paz.
Em suma, por trás do discurso americano, insistentemente repetido pela mídia, de que um Irã nuclear representaria uma ameaça à paz mundial, repousam interesses de manutenção da hegemonia norte-americana no globo e da sustentação da posição israelense como único poder nuclear no Oriente Médio.
Silvia Ferabolli, Mestre em Relações Internacionais pela UFRGS, especialista em assuntos políticos de Oriente Médio. Endereço eletrônico: silviaferabolli@terra.com.br
Artigo publicado na edição nº 376, maio de 2007, página 5.
As tensões entre os Estados Unidos e o Irã voltaram a emergir ontem, depois que o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas, almirante Mike Mullen, afirmou que seu país tem um plano pronto para atacar o Irã. Ele ressaltou, no entanto, que uma ação militar seria provavelmente uma má ideia e que está extremamente preocupado com as consequências que uma ofensiva como essa pode ter. As declarações da mais alta autoridade militar americana repercutiram de forma contundente em Teerã, com a promessa da Guarda Revolucionária de dar uma “resposta esmagadora” aos EUA e a Israel se qualquer um dos países atacar a nação islâmica. As ameaças ocorrem no momento em que o Exército americano se prepara para ativar um escudo antimíssil no sul da Europa como parte dos esforços para impedir o programa nuclear iraniano.
A notícia é do jornal O Globo, 02-08-2010.
Mullen já afirmou algumas vezes que uma ação militar contra o Irã teria sérios e imprevisíveis efeitos em cascata para o Oriente Médio.
Ao mesmo tempo, diz que o risco de Teerã desenvolver uma bomba atômica é inaceitável. Em entrevista à emissora americana NBC, o chefe do Estado-Maior não respondeu qual risco seria pior, mas, sem entrar em detalhes, confirmou que o Exército tem um plano em mãos.
— As opções militares estiveram sobre a mesa e continuam estando — declarou Mullen, acrescentando que qualquer decisão sobre um possível ataque teria que ser tomada pelo presidente Barack Obama.
— Para ser muito franco, qualquer uma das opções me preocupa muito.
Horas após a entrevista, o comandante da Guarda Revolucionária do Irã voltou suas atenções para Israel e os Estados Unidos, afirmando que Teerã não acreditava que seu inimigo teria capacidade para atacá-lo.
— Segurança no Golfo Pérsico para todos ou para ninguém. O Golfo é uma região estratégica. Se a segurança nessa região ficar comprometida, eles sofrerão também, e nossa resposta será dura — afirmou o vice-comandante político da Guarda, general Yadollah Javani.
— O Irã dará uma resposta esmagadora aos inimigos. Embaixador ameaça deixar Tel Aviv em chamas
Os EUA e Israel já declararam no passado que a opção de atacar o Irã deve ser mantida sobre a mesa, mas evitavam dizer se havia um plano pronto para isso. Ontem, o embaixador iraniano na ONU alertou que Teerã atacaria Tel Aviv se Israel se atravesse a agredir o Irã.
— Se o regime sionista cometer a menor das agressões contra o solo iraniano, vamos deixar Tel Aviv em chamas — ameaçou Mohammad Khazai.
As tensões entre os EUA e o Irã vêm aumentando. Ontem, Teerã rejeitou o pedido de Obama para libertar três jovens americanos presos há mais de um ano, que teriam ultrapassado a fronteira com o Iraque. As ações contra o programa nuclear iraniano também continuam. Segundo o “Washington Post”, o Pentágono está fechando um acordo para ativar uma importante estação de radar na Turquia ou Bulgária. A instalação pode colocar em operação parte de um escudo antimísseis no sul da Europa já no ano que vem. Ao mesmo tempo, os EUA trabalham com Israel e aliados no Golfo Pérsico para aumentar suas capacidades de defesa antimísseis.
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